Projeto pedagógico: Por que, quando e como – Educação Infantil
Introdução
Fundada em 1972, a Escola Balão Vermelho tem como marca o exercício da reflexão sobre a sua prática, o que lhe proporciona um ganho muito significativo na melhoria de seu ensino, na medida em que antigas certezas do fazer pedagógico podem ser flexíveis e dar lugar a novas formas. E é investindo na formação de seus educadores, promovendo encontros e congressos de ação pedagógica e estabelecendo um constante diálogo com outros “saberes”, tanto acadêmicos quanto de outras instâncias, que a escola vem conseguindo realizar esse processo.
Como parte desse trabalho reflexivo, a escola reuniu seus educadores, no início do ano de 1994, para discutir a respeito da necessidade de tornar seus alunos ainda mais participativos no processo de aprendizagem, desde o planejamento.
Apoiados, naquele momento, nos estudos de Josette Jolibert, deu-se início ao que podemos chamar de “Pedagogia de Projetos”.
Após seis anos de prática e de reflexão apoiada em discussões sustentadas por estudiosos,como Fernando Hernández, Sacristán, entre outros, em 1998, o novo desafio que nos envolveu foi delimitar diretrizes curriculares para a escola e explicitá-las melhor aos alunos, pais e educadores.
A necessidade veio da prática com projetos.
Desde que a escola assumiu essa pedagogia, muitas mudanças e escolhas foram sendo feitas.
Após quatro anos de percurso, já era possível tomar distância e buscar os eixos que estavam orientando o trabalho naquele momento.
Atualmente, a escola vem prosseguindo seu trabalho com projetos, porém numa concepção Do formal ao cultural: a experiência da Escola Balão Vermelho com os Projetos de Trabalho*
Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib Escola Balão Vermelho/MG cada vez mais ampla de seu significado. Entendemos que, mais do que ensinar os conteúdos das disciplinas, a escola é um espaço de cultura viva, que acolhe toda a diversidade de relações presentes na realidade em que está inserida. Assim, trabalhar por projetos, hoje, mais que uma opção metodológica, é uma postura assumida na forma de conceber e concretizar a Educação, numa nova possibilidade de organização do espaço e do tempo escolares.
Com a intenção de promover essa nova organização, reestruturamos a forma de agrupar as crianças, de coordenar o trabalho pedagógico, de facilitar a formação dos educadores, bem como a reflexão contínua sobre os eixos curriculares que nos orientam.
Dessa maneira, passamos a agrupar nossos alunos por ciclos de formação, cada um deles com dois anos de duração. Tomamos essa decisão em 1996, por acreditarmos que o processo de formação exige um tempo maior e mais flexível que aquele induzido pela organização dos estudos por série.
Organizamos as atividades escolares por meio dos projetos de trabalho coletivos, projetos individuais e módulos de aprendizagem. Essa organização do trabalho tem garantido a possibilidade de abordagens globalizadas dos diferentes conteúdos e a participação ativa das crianças no seu processo de aprendizagem.
Para esse contexto, modificamos, também, nossa forma de organização do trabalho da equipe pedagógica, buscando torná-la ainda mais coletiva.
A experiência atual conta com a coordenação de ciclos, que atua juntamente com a direção pedagógica da escola. Essa função é ocupada, a * Texto elaborado por Alessandra Latalisa de Sá e Ana Cristina Coura Cheib, em agosto de 2001.
Cada seis meses, por um professor da escola, que é eleito por seus companheiros do ciclo. Assim, acreditamos atender melhor às necessidades de formação e de reflexão sobre o trabalho realizado.
Estão previstos, ainda, assessorias e grupos de trabalho para atender às necessidades de formação e de reflexão sobre o trabalho realizado.
Nossos atuais eixos curriculares buscam definir as dimensões de formação dos educandos que estamos priorizando. Esses eixos curriculares se estendem da Educação Infantil à Educação Fundamental e são, também, referências para a avaliação do processo e do rendimento do trabalho. Como tais, eles não são estáticos e podem ser reformulados a partir da experiência vivida.
Os eixos curriculares são os seguintes:
• tratamento da informação;
• diversidade cultural;
• inserção na vida da cidade;
• experiências culturais e artísticas;
• instrumentalização para o estudo.
Entre as muitas práticas realizadas nessa perspectiva, escolhemos relatar o “Projeto Lixo”– trabalho que envolveu toda a comunidade escolar e seu entorno na busca da construção de uma nova atitude no que diz respeito ao tratamento dado ao lixo. A partir da proposta pelos educadores de reflexões a esse respeito, as crianças puderam identificar a necessidade de entendimento da relação entre coleta seletiva e reciclagem/reaproveitamento de materiais. Visando resolver o problema levantado, os educadores instrumentalizaram as crianças, organizando com elas estratégias de pesquisa e propostas de ação que poderiam mobilizar a comunidade para a necessidade de se atentar para essa importante questão ambiental.
Esse projeto foi realizado no primeiro semestre do ano letivo de 2001, na escola Balão Vermelho, pelas turmas da Educação Infantil, com crianças entre 05 e 07 anos de idade. Ele será, aqui, relatado por meio de um recorte do trabalho desenvolvido em uma das turmas, com 19 crianças entre 05 e 06 anos de idade.
É indiscutível, nos dias atuais, a necessidade de uma intervenção direta da escola na formação de sujeitos capazes de se relacionarem com o meio ambiente, buscando sempre “a aquisição de conhecimento, de valores, de atitude, de compromisso e de habilidade necessários para a proteção e melhoria do meio ambiente; a criação de novos padrões de conduta orientados para a preservação e melhoria da qualidade do meio ambiente”
(MEC, 1991: 7).
Por esse motivo, já há algum tempo a escola vinha investindo na colocação de lixeiras para a coleta seletiva e, mais recentemente, aderiu ao projeto Circuito Ambiental, que é uma parceria da agência de promoção “Asas Produções” com a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e de Material Reaproveitável (Asmare). 1
No entanto, o trabalho que vínhamos fazendo em torno da conscientização da necessidade da coleta seletiva não vinha sendo suficiente para que, efetivamente, ocorresse a coleta. Foi a partir dessa constatação que o grupo de professoras decidiu realizar um projeto durante o 1o semestre de 2001, em que esse tema pudesse ser trabalhado.
Portanto, a intenção do nosso grupo era iniciar um processo de mudança de atitude com a comunidade escolar e seu entorno, no que diz respeito ao tratamento dado ao lixo na escola e nas residências. Pretendíamos que as crianças:
• conhecessem o que é o trabalho de coleta seletiva e reciclagem;
• estabelecessem a relação entre a coleta seletiva e a reciclagem;
• desenvolvessem boas estratégias para viabilizar a coleta seletiva, tanto na escola quanto em suas residências;
• conectassem o “problema” do tratamento que tem sido dado ao “lixo” com uma esfera mais ampla, relacionada à preservação do meio ambiente e a formas de sobrevivência;
• tivessem um papel de multiplicador, divulgando 1 O projeto conta com a participação de diversas escolas, que receberam, cada uma delas, um contêiner para a coleta seletiva de lixo. O lixo é enviado à Asmare, onde são feitas tanto a triagem e a posterior venda de material, quanto à reciclagem de uma parte dele. Estima-se que mais 200 famílias se beneficiaram com o trabalho gerado pelo aumento da quantidade de material coletado.
A necessidade da coleta seletiva e compartilhando o conhecimento adquirido durante o projeto com a comunidade escolar e extra-escolar.
A partir dessa decisão, cada professora desenvolveu o trabalho com sua turma. Durante todo o percurso, tivemos vários encontros em que foram discutidas as estratégias de intervenção no processo de conscientização das crianças sobre o tratamento do lixo, oportunidades em que cada uma de nós compartilhava o material utilizado no estudo e os avanços que a turma havia realizado.
Problematização
O primeiro momento do projeto foi uma conversa com as crianças. Nessa conversa, fiz uma série de perguntas às crianças a fim de saber quais informações elas tinham a respeito do tema (coleta seletiva e reciclagem do lixo).
Constatei que muitas delas tinham algumas informações, principalmente no que diz respeito à reciclagem, que, segundo elas, “é transformar coisa velha em nova”. No entanto, quando questionadas sobre a coleta seletiva, todas revelaram nunca a haver feito. Também, quando perguntei sobre o objetivo daquele coletor que havia na escola, todas disseram que era para separar o lixo, mas quando insisti perguntando “para que” separá-lo, nenhuma delas estabeleceu
conexão com a reciclagem.
Então, ao final dessa primeira conversa, informei às crianças que aquele lixo coletado na escola era destinado à Asmare e propus que estudássemos sobre o “lixo”, pois percebia que elas poderiam compreender melhor por que se faz coleta seletiva e o que é a reciclagem.
Organização do projeto
Num segundo momento com as crianças, retomei a conversa inicial e propus que, para realizarmos o nosso projeto, organizássemos uma lista com tudo aquilo que não poderíamos esquecer-nos de fazer. Durante a confecção da lista, tanto eu quanto as crianças apresentamos sugestões e discutimos a importância de cada ação.
A lista, que foi afixada no mural e serviu como referência durante todo o percurso, tinha os seguintes itens:
• estudar a reciclagem;
• marcar um dia para trazer lixo de casa;
• colocar duas lixeiras na sala;
• assistir ao filme da Asmare;
• visitar a Asmare;
• aprender a reciclar;
• contar o que aprendemos para outras pessoas.
O desenvolvimento do projeto
A partir de agora, relatarei cada um dos itens da lista como momentos importantes no decorrer do projeto, fazendo uma abordagem das estratégias utilizadas para tratamento da questão com as crianças e da relação delas com a proposta curricular da escola.
Reciclagem
Questionadas sobre “as coisas novas” nas quais se transformavam as “velhas” na reciclagem, as crianças informaram que viravam brinquedos.
Então, informei-lhes que diferentes materiais, quando reciclados, eram matéria-prima para diferentes produtos, e que alguns livros contavam isso.
A essa altura, outra professora, com sua turma, já havia solicitado à bibliotecária da escola que separasse todo o material relativo a “lixo” disponível na biblioteca. 2
De posse desse material, separei, com a participação das crianças, aqueles livros que tratavam da reciclagem de diferentes materiais: plástico, papel, metal, vidro. Combinei com elas que leríamos cada um deles e anotaríamos as informações relativas ao destino dos materiais, no processo de reciclagem.
As informações anotadas foram também afixadas no mural. Esse estudo, além de esclarecer o destino de cada material, informou às crianças a diferença entre reciclagem e reaproveitamento.
2 Esse material permaneceu disponível na biblioteca (separado em uma caixa) para todas as turmas envolvidas com o projeto.
Instrumentalizar as crianças para o estudo e o tratamento dado às informações3 foram pontos abordados nesse momento do projeto, em que trabalhei, com as crianças, estratégias de busca e seleção de informação, bem como de seu armazenamento para futuras recorrências.
Marcar dia para trazer lixo de casa
Faz parte da cultura da escola a elaboração, por turma, de um calendário semanal, em que são registradas as principais atividades de cada dia.
Um destes é o “dia do brinquedo” – dia escolhido pela turma e no qual cada criança pode levar para a escola um brinquedo de casa. Estabelecendo uma relação com esse dia, propus às crianças a escolha de um “dia para trazer lixo de casa”.
Para que os pais pudessem ajudar as crianças e compartilhassem da nossa empreitada, sugeri que lhes escrevêssemos um bilhete. Nele, além de falar sobre a importância da coleta seletiva, seria necessário informar o dia em que o lixo deveria ser levado à escola.
Em conversa com outra professora envolvida no projeto, ela me informou sobre a estratégia de sugerir aos pais que tivessem duas lixeiras em casa: uma para os recicláveis (estes deveriam ser lavados antes de colocados na lixeira)4 e outra para os não-recicláveis. A sacola com os recicláveis seria levada para a escola, e as crianças se encarregariam de fazer a triagem para as respectivas partes do contêiner. Contei às crianças a idéia e escrevemos essa sugestão em nosso bilhete aos pais. E ressaltei para as crianças a importância do uso de um instrumento adequado (no caso, o bilhete) para conseguirmos atingir o nosso objetivo: que os pais pudessem, de fato, ajudá-las.
Colocar duas lixeiras na sala
Sugeri que também levassem para o contêiner o lixo produzido em nossa sala. Para isso, ele não poderia estar todo misturado nem sujo. A primeira proposta foi de uma lixeira para plástico e outra para papel, por serem os materiais mais utilizados por nós. No entanto, ficamos sem ter onde colocar o não-reciclável. Após alguns dias de incômodo, fui até a sala de outra professora, que havia feito da seguinte forma: uma lixeira para os recicláveis e outra para os não-recicláveis (como na sugestão feita aos pais). Levei as crianças até a outra sala para verem a boa idéia que tiveram e fizemos o mesmo em nossa sala. Diariamente, ao final da aula, uma criança leva o lixo até o contêiner.
Assistir ao filme da Asmare
Ao organizarmos o roteiro com as principais ações do projeto, contei às crianças sobre a possibilidade de irmos até a Asmare, onde poderíamos ver o que, de fato, se fazia lá.
O filme, com uma matéria sobre a fundação da associação e o trabalho realizado por ela, fazia parte da nossa caixa na biblioteca. Propus às crianças que assistissem ao filme para conhecerem o lugar aonde iriam e entenderem como ele funcionava, preparando-se para a visita. Ao planejar a aula, assisti ao filme e programei saltos (das partes que continham longas entrevistas) e paradas (para chamar a atenção das crianças sobre algum detalhe ou antecipar o que veriam na cena seguinte). Essa estratégia foi usada visando à maior adequação daquele material para o uso com crianças.
Assistir a esse filme colocou as crianças diante de uma realidade muito diferente5 daquela na qual vivem e, além disso, explicitou, de uma forma contundente, o caráter solidário da ação de separar o lixo para que este, levado à Asmare fosse fonte de trabalho, para aquelas famílias ligadas à associação.
A partir dessa constatação pelas crianças, procurei trabalhar com elas a importância das atividades realizadas na Asmare para a preservação do meio ambiente. Portanto, não eram apenas elas que ajudavam a Asmare, mas o trabalho feito lá ajudava a todos nós, na medida em que dava um tratamento adequado ao lixo, evitando seu acúmulo e o desperdício de matéria-prima.
A esse respeito, havia lido para elas uma reportagem da “Folhinha” do jornal Folha de S.Paulo, afirmando que, a cada dia, produzíamos mais
lixo e o planeta continua do mesmo tamanho; portanto, se isso continuar assim, um dia o planeta estará completamente coberto de lixo.
3 Ambos os pontos são parte do currículo da escola, estruturado a partir de cinco eixos: experiências culturais e artísticas, instrumentalização para o estudo, diversidade cultural, tratamento da informação e relação cidade–escola.
4 Nos livros em que estudamos, as crianças obtiveram a informação de que todo material a ser reciclado ou reaproveitado deveria ser lavado, já que a sujeira poderia danificá-lo (mofo, ferrugem), inviabilizando seu aproveitamento.
5 Em nosso currículo, esse ponto tem relação com a diversidade cultural, em que procuramos trabalhar a construção de uma identidade tanto a partir do contraste com o diferente, quanto do reconhecimento desse diferente e do respeito a ele.
Visita à Asmare
Permanecemos por duas horas nas dependências da Asmare. Nossa visita foi monitorada por uma das pessoas que trabalhavam com a triagem do material coletado.
Mais do que ao assistir ao filme, as crianças se surpreenderam com aquelas pessoas trabalhando em meio a montanhas de material.
Janete, a monitora da visita, explicou todo o processo de triagem, além de mostrar a reciclagem do papel, o reaproveitamento da madeira e a loja onde a produção era vendida.
Enquanto nos mostrava o espaço e falava sobre o trabalho lá realizado, a monitora chamava a atenção das crianças para o quanto era bom poder trabalhar ali, e contou-lhes sobre um “lixão” que havia visitado, onde as pessoas viviam catando lixo no meio da sujeira.
Registrei a visita com fotografias. No dia seguinte, já com as fotos na mão, reconstruí, com as crianças, o percurso da visita e as informações que tínhamos obtido lá.
O processo que utilizei foi o seguinte: mostrava a fotografia, e as crianças se lembravam, com a minha ajuda (por meio de perguntas e comentários do que eu própria me lembrava), do que tinha sido fotografado e do que a Janete havia dito sobre aquele lugar ou aquela tarefa específica.
Esse registro (fotografias acompanhadas de texto) foi afixado na parede externa à sala para que outras turmas pudessem conhecer o trabalho da Asmare. O texto também foi digitado e distribuído para as crianças, para que fosse guardado em uma pasta com outros registros do projeto.
É necessário ressaltar que esse momento do projeto tem relação com outro eixo curricular: a “relação cidade–escola”, em que é revelada a nossa intenção de levar as crianças ao reconhecimento da possibilidade de inter-relação entre a escola e outras tantas instituições e espaços da cidade. Portanto, é importante, para nós, que as crianças tenham oportunidade de aprender a reconhecer outros espaços, além da escola, como possíveis fontes para a construção do conhecimento.
Aprender a reciclar
Na Asmare, ao conhecer o lugar onde era feita a reciclagem do papel, as crianças puderam observar todo o processo de reciclagem e acompanhar as explicações de uma das pessoas que lá trabalhavam.
Para o registro da explicação, foi feita uma escrita no formato de receita, e esta foi anexada à pasta de cada criança. Ao propor que guardassem o registro, deixei claro que iríamos recorrer a ele quando, no segundo semestre, fôssemos realizar uma oficina de reciclagem de papel na escola.
A busca de um formato adequado para a escrita do que haviam memorizado sobre “como se recicla o papel” foi um importante momento de aprendizado. Nesse momento, o confronto de diferentes gêneros textuais proporcionou uma escolha consciente pelas crianças do texto tipo “receita” como o mais adequado para o registro.
Contar para outras pessoas o que aprenderam
A essa altura, as crianças já tinham muitas informações sobre reciclagem e já conseguiam estabelecer uma relação entre ela e a coleta seletiva.
Portanto, voltando ao mural onde estava o roteiro do projeto, retomei a discussão sobre a necessidade de contarem para outras pessoas a respeito do que haviam aprendido.
Os primeiros públicos-alvo da nossa divulgação foram às crianças e professoras de outras turmas da escola. Para isso, dividi a turma em equipes, para que cada uma delas fosse até uma das salas.
A tarefa seria falar sobre a importância de se fazer a coleta seletiva, para que a reciclagem fosse possível, e marcar um dia para que a turma trouxesse o lixo de casa para a escola. Depois, já em nossa sala, construímos uma tabela em que estavam marcados os dias de cada turma trazer o lixo. Essa tabela foi afixada no corredor da escola.
No entanto, já feita à divulgação interna, era preciso cuidar da externa. As crianças, quando questionadas sobre a melhor maneira de divulgarmos a necessidade da coleta seletiva, disseram que bastava que contássemos a nossa experiência para as pessoas com as quais nos encontrássemos.
Então, eu lhes disse que “contar” não era suficiente, pois as pessoas acabariam se esquecendo, já que era preciso memorizar muitos dados (como, por exemplo, a cor da lixeira destinada a cada material).
Sugeri a confecção de um panfleto que, além de propagar a importância da coleta seletiva, poderia ajudá-las a ensinar como fazê-la.
Recolhi e analisei com as crianças uma série de panfletos para que elas pudessem produzir o seu próprio. Durante a análise, chamei a atenção para os aspectos característicos do tipo de linguagem utilizada e como as informações eram organizadas. Todas as observações feitas eram anotadas para que, ao produzirmos o panfleto referente à coleta seletiva, pudéssemos recorrer a elas. As características anotadas foram:
• uso de ilustração;
• uso de escrita com letras grandes e com letras menores;
• uso de muitas cores para as pessoas enxergarem melhor;
• uso de números para mostrar o endereço, o telefone e o preço;
• uso de mapa para indicar caminhos;
• uso de símbolos (logomarcas);
• uso de palavras para “mandar” nas pessoas: compre, venha, não perca, venha agora, coma, experimente;
• uso de textos afirmando que o produto ou o serviço seria o melhor, o que nem sempre é verdade, sendo apenas uma forma de induzir as pessoas a comprar;
• uso de asterisco (*), seta (◊) ou splash ( ) para mostrar coisas importantes.
A produção do panfleto foi coletiva, numa situação em que todas as crianças davam palpites e eu, além de realizar o registro por escrito, fazia intervenções no sentido de aproximar a linguagem utilizada àquela própria de um texto publicitário, naquele suporte específico.
Feitos os panfletos, iniciamos sua distribuição pelas ruas e prédios em torno da escola. Para que essa tarefa fosse viável, contei com a ajuda de uma funcionária da escola, que, a cada dia, permanecia com parte das crianças na escola, para que eu pudesse sair com um pequeno grupo.
Esse trabalho de panfletagem é feito até hoje, semanalmente.
Além do panfleto, produzimos um cartaz que foi afixado numa feira de verduras e legumes que fica em frente da escola. Para a sua confecção, da mesma forma como foi feito o panfleto, levei para a sala diferentes cartazes que, depois de analisados, serviram de referência para a produção do nosso próprio cartaz.
Portanto, aprender a fazer panfleto e cartaz não foi uma situação descontextualizada de aprendizagem. Pelo contrário, ocorreu em um contexto real de uso, em que uma comunicação fazia-se necessária e, para que fosse de fato eficaz, era preciso que as crianças o fizessem de forma adequada. Dar acesso às crianças a esses objetos sociais de escrita faz parte do que acreditamos ser indispensável para a formação de nossos alunos.
Avaliação
Ao final do semestre, quando já cuidávamos da divulgação da coleta seletiva e aquele problema inicial de saber o que era reciclagem e qual a sua relação com a coleta seletiva já havia sido resolvido, conversei com as crianças sobre o final do projeto. Ressaltei que esse final não significaria o fim do nosso investimento na conscientização da importância da coleta seletiva, e que, por isso, continuaríamos com a panfletagem e com o “dia de trazer lixo de casa”.
A avaliação final foi feita tanto em termos coletivos quanto individuais. Primeiramente, houve uma conversa e um registro coletivos, momentos em que as crianças falaram sobre o que haviam aprendido, e, depois, uma entrevista individual em que cada qual respondeu o que considerou mais importante no nosso projeto.
Além dessa avaliação final, o processo de avaliação esteve presente durante todo o percurso. Exemplos: ao elaborarmos o panfleto, as crianças avaliaram o que haviam aprendido à medida que organizavam o conteúdo para ser contado a outras pessoas; quando colocamos duas lixeiras na sala, uma para plástico e outra para papel, percebemos que o resultado não estava adequado à nossa necessidade e, após uma avaliação, recorremos à solução encontrada por outra turma. Portanto, avaliar é instrumento necessário para a construção de sentido e para a continuidade do processo, e não apenas uma situação estanque, localizada no final do processo.
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