Registro do planejamento na Educação Infantil

UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)                                                                      ISSN 1809-4651










Adriana Scmitt

Fabiana F.C. Berner

Rita Buzzi Rausch

Mestre em Educação rausch@furb.br FURB, SC


Resumo


Investigamos a coerência entre o discurso e a prática das professoras de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Blumenau frente ao registro do planejamento docente. Nossos estudos pautaram-se em obras de Vasconcellos (1995, 2000) e Ostetto (2002). Os sujeitos da pesquisa foram 20 professoras que atuavam com crianças na faixa etária de 0 a 4 anos. Como instrumento de coleta de dados, realizamos entrevistas semi-estruturadas e reproduzimos fotocópias dos registros dos planejamentos das professoras. Posteriormente realizamos as análises de conteúdo e documental dos dados. Constatamos na pesquisa que todas as professoras entrevistadas tem contato com o ato de planejar, e o fazem em conjunto com outras educadoras das instituições em que trabalham. As professoras apresentaram muitas dúvidas quanto ao processo de planejamento e registro, embora, recebam orientação por parte da instituição, através de críticas e ou sugestões. Destacaram como finalidades do planejamento: orientação pessoal, promoção e avaliação do seu trabalho. Entretanto ao comparar-se o discurso com a prática do registro das professoras, percebemos uma certa incoerência, principalmente quanto ao tipo de organização do planejamento. No discurso as professoras afirmam trabalhar por temas ou projetos, mas seu registro não passa de um rol de atividades soltas.




Palavras-chave: Educação Infantil // planejamento docente // registro do planejamento

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Adriana Scmitt, Fabiana F.C. Berner e Rita Buzzi Rausch

Introdução


Atualmente o “como planejar” um trabalho educativo para crianças pequenas  é uma busca

constante e deve vir alicerçada em parâmetros constitucionais.


Tanto creches quanto pré-escolas, como instituições educativas, têm uma responsabilidade para com as crianças pequenas, seu desenvolvimento e sua aprendizagem, o que requer um trabalho intencional e de qualidade. (Ostetto, 2002,

p.  175).

O    objetivo principal do planejamento é possibilitar um trabalho mais significativo e transformador na sala de aula, na escola e na sociedade. O plano escrito é o produto deste processo de reflexão e decisão. Não deve ser feito por uma exigência burocrática, mas, ao contrário, deve corresponder a um projeto-compromisso do professor, tendo, pois, suas marcas.



A finalidade do plano é criar e organizar o trabalho. Para tanto, deve ser: objetivo, verdadeiro, crítico e comprometido. (Vasconcellos, 1995, p. 60).

Desta  forma,  o  registro  do  planejamento  é  alvo  de  muitas  dúvidas,  incertezas  e

possibilidades. Assim, decidimos investigar: Qual a coerência entre o discurso e a prática das

professoras da Educação Infantil quanto ao registro do seu planejamento docente?



Registro do planejamento na educação infantil



Com  a  preocupação  na  busca  da  qualificação  no  trabalho  desenvolvido  com  crianças

pequenas, o registro do planejamento pode e deve ser um instrumento norteador para o

educador infantil.


Ostetto (2002) traz alguns questionamentos acerca desse registro: Como sistematizar ou

registrar no papel o planejamento? Como registrar a riqueza do cotidiano? O que priorizar

neste registro? As questões mencionadas pela autora freqüentemente povoam as mentes dos

educadores que, angustiados buscam o “modelo” ideal para, assim, “registrar” e “fazer” o

melhor planejamento. Porém, o registro do planejamento não é uma ficha a ser preenchida

ou uma listagem de atividades para serem assinaladas conforme o realizado em sala de aula

no dia a dia.

Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para com o grupo de crianças. Planejamento



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pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (Ostetto, 2002, p. 177).

Toda ação educativa é marcada pela intencionalidade. O registro marca o delineamento dessa

ação educativa e permite melhor organização da práxis docente. Ostetto (2002) nos traz

alguns “modelos” de registro mais utilizados na Educação Infantil:

1)   Planejamento baseado em listagem de atividades: baseia-se em preencher o tempo das crianças com atividades organizadas para cada dia da semana. Ex: 2ª feira - Recorte e colagem; Jogos recreativos; Música com gestos; Confecção de dobraduras. Neste tipo de planejamento está privilegiada a “hora da atividade”, a rotina, mais ligada aos cuidados de higiene, alimentação. Implicitamente, aparece nesta ação educativa uma concepção de criança passiva, sem necessidades específicas, submissas ao atendimento do adulto, sem voz nem vez. Neste sentido, a instituição educativa revela-se assistencialista, como espaço de cuidados, onde a criança fica para passar o tempo, enquanto os pais vão trabalhar.
2)   Planejamento baseado em datas comemorativas: privilegia o calendário. Selecionam-se algumas datas consideradas importantes para a criança. Esse trabalho está marcado pela fragmentação dos conhecimentos, pois cada semana o professor trabalha uma data que não tem nada a ver com a outra, ainda superficialmente e descontextualizada. O professor, muitas vezes, desconhece a verdadeira história que existe por detrás destas datas, datas estas que muitas vezes foram destacadas em favor de princípios que ele afirma combater. Ostetto (2002) afirma, essa perspectiva é tediosa, não amplia o repertório cultural da criança. Massifica e empobrece o conhecimento, menospreza a capacidade da criança.

3)Planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento – privilegia os aspectos do desenvolvimento físico-motor, afetivo, social e cognitivo. Entra em ação a preocupação com as especificidades da criança, caracterizando-a nos parâmetros da psicologia do desenvolvimento. Esse tipo de planejamento parte de um padrão universal de desenvolvimento, desconsiderando as características diferenciadas das crianças, determinadas pelo seu contexto sócio-cultural. Essa proposta evolui em relação às anteriores, por considerar a criança e seu desenvolvimento o ponto de partida, porém peca ao minimizar aspectos políticos e sociais.

4)   Planejamento baseado em temas (tema integrador, tema gerador, centros de interesse, unidades de experiência) – neste formato, o tema é o eixo que conduzirá o trabalho. Existe preocupação com o interesse da criança, sua realidade, suas necessidades e questionamentos. Os temas podem ser escolhidos pelo professor ou emergirem de algo significativo que o grupo vivenciou. Partindo do tema, são previstas atividades relacionadas ao estudo do conteúdo em questão. O grande questionamento sobre esse tipo de planejamento é o “tema” não servir como “pretexto” para o professor fazer listagem de atividades, pois estas devem estar articuladas entre si e serem significativas. Outro aspecto é toda a instituição limitar-se ao trabalho fechado impondo o mesmo tema para todas as idades.





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5)   Planejamento baseado em conteúdos organizados por áreas de conhecimento – tendência muito evidente nos últimos anos, relaciona-se com a defesa da pré-escola como espaço pedagógico e, portanto, lugar de conhecimento. Esse tipo de planejamento traz maior consistência ao trabalho com os temas, as atividades previstas devem pertencer às áreas do conhecimento favorecendo em parte a ampliação dos conhecimentos da criança.

6)   Planejamento por projetos – O projeto traz a idéia de horizonte, de leitura de grupo, podendo incluir o trabalho com qualquer grupo de crianças, sendo que para cada grupo um específico e único projeto, articulando-se somente em princípios e itens gerais. Tanto para bebês quanto para crianças maiores, o projeto seria viável considerando, entretanto, conteúdos diferenciados, conforme suas próprias características. O projeto deve ter como base a observação do grupo de crianças e seus interesses. Estrutura-se contemplando alguns itens básicos. Aqui o educador delineia, a partir de uma séria e intensa pesquisa, as possibilidades de trabalho, os assuntos a serem estudados, as situações a serem propostas e as atividades a serem realizadas.




Coerência entre o dizer e o fazer das professoras frente ao

registro do planejamento


Foram envolvidas na pesquisa vinte professoras da Educação Infantil de 0 a 4 anos de vinte Centros de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Blumenau. O critério utilizado para a escolha das professoras foi o tempo de atuação na instituição investigada. A coleta de dados deu-se a partir de entrevistas semi-estruturadas gravadas e transcritas e de fotocópias dos registros dos planejamentos das professoras. As entrevistas foram transcritas na íntegra e após, realizamos a análise de conteúdo e com as fotocópias dos registros, a análise documental.


Com relação à realização do registro do planejamento, das vinte professoras entrevistadas, quatorze professoras manifestaram que registram e seis que não registram. Mas quando comparamos esses dados com os documentos entregues por elas, constatamos que doze fazem o registro do planejamento. Isto significa que duas das quatorze que manifestaram sempre realizar o registro do planejamento não tinham como comprovar esta fala.

Ressaltamos, também, que quando questionadas sobre a importância do registro do planejamento, dezesseis professoras entrevistadas consideraram esse ato importante; duas acharam fundamental e apenas uma não achou importante. Uma professora não soube esclarecer seu pensamento com relação a esta questão. Delineia-se uma certa incoerência entre o dizer e o fazer de pelo menos seis professoras entrevistadas, que acham de suma importância o registro do planejamento, porém não o realizam.






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Quanto ao registro do planejamento, vejamos um exemplo de fala da professora B: “eu faço um planejamento, um esboço de um planejamento no meu caderno, depois quando chega a gente de manhã em sala senta com as crianças e daí, o meu planejamento seria só um esboço, assim, um porto seguro pra mim.” (Professora B). Comparando a fala da professora, com o documento apresentado, pudemos constatar que existe a ausência do registro do planejamento. O documento apresentado pela professora é um relato das atividades diárias. Este documento deixa claro que o trabalho é realizado numa seqüência de atividades, as quais são escolhidas pelas crianças, apenas conforme suas vontades. Percebemos, nesta fala da professora que as atividades realizadas partem exclusivamente das crianças e apenas dos recursos que a sala dispõe. O brincar está fortemente presente. Sabemos que o brincar para as crianças é uma atividade fundamental e característica da infância. Brincando, a criança interage socialmente, na troca de experiências no próprio grupo ou com os adultos.

Nossa preocupação está focada sobre o registro do planejamento e como este acontece. Planejar junto às crianças é fundamental, porém, o professor deve ter claro “o que quer” para com as crianças; interagindo e propondo uma organização de espaço e tempo. Desta forma, devemos considerar as características sócio-culturais do grupo, as várias linguagens e formas de expressão, os instrumentos e recursos necessários para que as crianças possam viver e (re) inventar nossa sociedade e perceber melhor o mundo do qual faz parte. Assim sendo, o processo de ensino-aprendizagem se fará presente na intencionalidade pedagógica do professor, e o brincar no contexto da Educação Infantil ganhará significado.

Percebemos, neste caso, que há ausência de intencionalidade pedagógica. Não se evidencia o papel da educadora interagindo e mediando as atividades e brincadeiras do grupo. Sendo que ela não se insere no planejamento. Apesar de considerar a importância da participação das crianças no processo de planejamento, fica evidente aqui uma confusão teórica ou falta de entendimento do tema por parte da professora.

Com relação ao tipo de planejamento, dezesseis professoras quando questionadas relataram fazê-lo por projetos de trabalho, e quatro por listagem de atividades. A professora H afirma: “Nós trabalhamos por projetos. A gente tem projeto anual, e tem os sub-projetos, que são pegos a partir do projeto anual, projeto principal. Aí conforme vai, o projeto também é flexível, conforme o interesse que as crianças estão demonstrando mais em algum assunto, ou mais em outro, aí isso a gente vai vendo conforme a avaliação que a gente vai fazendo” . Analisando o discurso e o documento apresentado pela professora, fica claro uma contradição entre o dizer e o fazer. O documento apresentado é um mero relato diário das atividades. Nele a professora descreve quais atividades foram realizadas; as preferências das crianças e seus comportamentos.


Apresentamos agora algumas falas contemplando a forma de planejar: “Eu e a educadora da tarde, a gente vê os objetivos, o que a gente quer alcançar. Porque não adianta trabalhar de uma forma de tarde, porque a maioria das crianças fica o período integral, por isso é



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importante a gente estar trabalhando juntas” (Professora A). Destacamos que o planejamento conjunto, entre as educadoras é muito valioso, favorece a troca de idéias e experiências e também facilita o olhar atento às crianças, contribuindo para um melhor planejamento. Entretanto, não podemos deixar de salientar que, o que nos preocupa são as duas vertentes desta forma de planejamento, que no caso da professora analisada, não fica claro, nem em seu discurso, tampouco em seu registro, ou seja, como este processo se efetiva realmente na prática.


Analisando agora a fala de outra professora: “É nós temos assim, são duas educadoras, eu trabalho de manhã e a outra educadora a tarde, nós fizemos um projeto. Este ano o nosso projeto é sobre a afetividade, porque aqui as crianças são bem carentes. Então vamos trabalhar ao longo do ano a afetividade, enviando questionários para os pais, de como foi a escolha do nome da criança, como foi a gravidez, então assim, mandando uma, eu digo que é tarefinha, mas na verdade são exercícios bem simples para os pais fazerem em casa com as crianças, cruzadinhas, labirinto, para os pais realmente sentarem e fazerem com eles.” (Professora F).


É possível perceber, aqui, a coerência entre o dizer e o fazer, e a objetividade com relação à problemática existente neste grupo de crianças. O princípio do registro do planejamento desta professora vem ao encontro da proposta do trabalho por projetos. A professora parte da realidade e necessidades das crianças utiliza a pesquisa envolvendo as famílias, há uma problemática e objetivos a serem atingidos.

Das vinte professoras entrevistadas, dezesseis disseram registrar seu planejamento na forma de projetos e quatro na forma de listagens de atividades. Ao analisarmos os documentos, constatamos que apenas seis fazem projetos, seis listagem de atividades e oito não apresentam o registro do planejamento, apenas relato do dia. Concluímos neste caso que apenas sete professoras apresentam coerência entre o discurso e a prática e doze não apresentam coerência. É importante ressaltarmos que das vinte professoras, uma recusou-se a entregar seu registro do planejamento.

Deparamo-nos também, com a questão da supervisão e interferência da instituição quanto ao registro do planejamento. Verificamos que falta um acompanhamento mais sistemático e acima de tudo qualificado, com a interferência positiva da instituição, no sentido de auxiliar as professoras a entenderem melhor o processo do planejamento e registro. Percebemos que a maioria sequer conhece a proposta do município para a Educação Infantil.

Diante disto, defendemos que para ser efetivada a proposta municipal de Educação Infantil, revertendo o quadro de incoerência apresentado nesta pesquisa, faz-se necessário à união de todos na escola, num movimento de busca qualitativa do conhecimento.

Considerações finais



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O quadro final que se apresenta como resultado deste estudo, nos remete à presença muito tênue da coerência entre o dizer e o fazer das professoras, quanto ao processo que envolve o registro do planejamento. Essa contradição pode representar falta de subsídio teórico, observação superficial da criança e até mesmo, ausência de planejar – fazer – rever – replanejar. Porém, é necessário lembrarmos, que todo este processo em torno do planejamento na Educação Infantil é histórico. Envolve concepções e tendências as quais os professores ainda estão se desvencilhando, estamos num movimento de mudança. Na pesquisa fica claro que o próprio registro faz parte dessa mudança.

Vislumbrando uma mudança no quadro apresentado, pensamos ser necessário maior envolvimento de todos (escola, família, comunidade, governo) na busca do conhecimento. Por outro lado, os educadores devem tomar consciência da importância da busca do conhecimento, da busca da qualificação de sua formação profissional, tomar consciência do papel de ser educador infantil.

Partimos do pressuposto que o ato educativo na Educação Infantil, requer um trabalho intencional e de qualidade, onde cuidar e educar são funções indissociáveis, sendo este, um trabalho complexo. No cotidiano o professor precisa estar inserido num amplo processo de interação, onde o ensino e a aprendizagem de forma prazerosa e desafiadora requer a capacidade de planejar e decidir.

Referências



OSTETTO, L. E.; OLIVEIRA E. R. de. e MESSINA, V. da S. 2001. Deixando marcas: a prática do registro no cotidiano da educação infantil. Florianópolis, Cidade Futura, 214 p.

OSTETTO, L. E. (Org.). 2002. Encontros e encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágio. Campinas, Papirus, 200 p.

VASCONCELLOS, C. dos S. 1995. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto educativo. São Paulo, Libertad, 204 p.

VASCONCELLOS, C. dos S. 2000. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. São Paulo, Libertad, 205 p.















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